“Essa experiência é mais poderosa que mil notícias de jornais e revistas, e me fez perceber melhor como vivem as pessoas longe de mim. Isso e o contato com leitores de todas as partes do mundo me fizeram sentir mais parte do nosso planeta.”

A escritora britânica Ann Morgan se impôs o desafio de, em um ano, ler um livro escrito em cada país do mundo. Ao todo foram 196 livros – de 195 países. Em muitos casos, o desafio foi encontrar edições em inglês, língua da escritora-leitora. Em relação a outros países, a dificuldade foi encontrar algo publicado. Ela recorreu diretamente a alguns autores para ajudá-la.

No Brasil, Morgan optou por ler A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, que ela considerou “um desempenho envolvente e persuasivo de um escritor de ponta na cena literária mundial.” A forma como o escritor retrata o pensamento feminino é “impressionante”, para ela.

/ Vou abrir um “ps” aqui porque na reportagem a BBC não falava sobre o livro direito e eu fiquei curiosa haha
budas-ditosos-esrcrito le um livro por paisA Casa dos Budas Ditosos: Luxúria – João Ubaldo Ribeiro
Sinopse: O livro traz a história de CLB, uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro, que jamais se furtou a viver —com todo o prazer e sem respingos de culpa– as infinitas possibilidades do sexo. Seriam as memórias desta senhora devassa e libertina um relato verídico? Ou tudo não passa de uma brincadeira do autor? Nunca saberemos. Importa é que ninguém conseguirá ficar indiferente à franqueza rara deste relato e a seu humor corrosivo. Com a maestria que o consagrou como um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos, João Ubaldo Ribeiro nos brinda com esse depoimento “sócio-histórico-lítero-pornô”. Um romance impudico e provocador. Às vezes chocante, às vezes irônico, sempre instigante. Um livro, que, não por acaso, ele dedica às mulheres. Com a deliciosa sugestão de que, realmente, não existe pecado do lado de baixo do Equador.

 Além do livro que ela de fato leu, as outras indicações que recebeu foram: / Clarice Lispector / Rubem Fonseca / Paulo Freire / Clarice Lispector Agua Viva / Jorge Amado Jubiabá; The Double Death of Quincas Water-Bray / João Guimarães Rosa / Paulo Coelho / Machado de Assis Dom Casmurro / Chico Buarque Budapest / Lygia Fagundes Telles The Marble Dance
Fecha PS / 

As impressões foram transformadas em um livro a ser lançado em fevereiro de 2015: Reading the World: Confessions of a Literary Explorer (“Lendo o Mundo: Confissões de uma Exploradora Literária”, em tradução literal)

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Mas para os curiosos, Ann Morgan divulga, em seu blog em inglês, a lista completa junto com cada avaliação. No artigo abaixo, escrito para a BBC, ela descreve como foi essa curiosa experiência de ler um livro de cada país do globo:

Eu sempre pensei que fosse uma pessoa razoavelmente cosmopolita, mas minha biblioteca pessoal conta uma história diferente. Com exceção de alguns romances da Índia e um ou outro livro da Austrália ou África do Sul, minha coleção literária só tem autores britânicos e americanos. Para piorar, eu quase nunca havia lido livros traduzidos. Meu universo está todo restrito a autores que escrevem em inglês. No Reino Unido, 62% dos britânicos conseguem ler apenas em inglês.

Imaginei que não encontraria livros de quase 200 países na livraria perto da minha casa, então montei o blog A Year of Reading the World, pedindo recomendações de leitores de todas as partes do mundo. A resposta foi incrível. Em pouco tempo, recebi uma avalanche de recomendações. Alguns leitores chegaram a me mandar livros de seus países pelo correio. Outros passaram horas pesquisando autores para mim. Alguns escritores chegaram a me enviar manuscritos traduzidos para o inglês e que ainda não haviam sido publicados, como Ak Welsapar, do Turcomenistão, e Juan David Morgan, do Panamá.

Mas mesmo com toda essa “equipe de apoio”, a tarefa foi dura. De todos os livros publicados no Reino Unido, apenas 4,5% são traduções. Ou seja, conseguir obras estrangeiras em inglês ainda é um desafio.

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Países lusófonos

A dificuldade maior foi conseguir obras de países africanos francófonos ou lusófonos. Há poucas obras em inglês de lugares como Comoros, Madagascar, Guiné Bissau e Moçambique. Em vários desses países, precisei recorrer a manuscritos que não foram publicados. Em São Tomé e Príncipe, eu teria perdido minha batalha, não fosse pelo esforço de leitores europeus e americanos que traduziram contos de Olinda Beja – só para que eu tivesse algo para ler do país.

Há países onde sequer existe uma tradição escrita. Para conseguir uma boa história das Ilhas Marshall, por exemplo, é melhor pedir permissão ao “iroji” (um líder tribal local) para ouvir algum caso narrado por um dos contadores de histórias. A literatura local não tem a mesma riqueza.

No Níger, as melhores lendas são contadas pelos “griots”, poetas populares treinados desde os sete anos de idade para misturar música e ficção. Há poucos registros escritos de suas performances incríveis – e mesmo essa experiência é pobre comparada com a apresentação ao vivo.

Como se não bastassem esses obstáculos, há sempre a política para complicar tudo. A criação de um novo país, o Sudão do Sul, em 9 de julho de 2011, também colocou um desafio. O país possui vários problemas de infraestrutura, com deficiências em estradas, hospitais e escolas. Com tantas necessidades mais urgentes, quem teria escrito um livro em apenas seis meses? Se não fosse por um contato local, que me apresentou à escritora Julia Duany, minha única solução seria tomar um avião até Juba para ouvir um contador de história. Mas Julia se dispôs a escrever uma história só para mim.

Pesquisar autores e livros me tomou tanto tempo quanto ler e escrever meu blog. O processo foi muito cansativo, pois tive de conciliá-lo com meu próprio trabalho de escritora. Passei muitas madrugadas em claro para manter de pé minha meta de ler um livro a cada 1,87 dias.

Dentro da cabeça

Mas o esforço valeu a pena. Muito mais do que só “viajar sem sair do lugar”, me senti como se estivesse habitando a cabeça de várias pessoas pelo mundo. Na “companhia” do escritor Kunzang Choden, do Butão, eu não apenas “visitei” os templos exóticos locais – fi-lo como fazem os budistas nativos. O mesmo aconteceu com as montanhas de Altai, na Mongólia, que tive a chance de conhecer pela imaginação de Galsan Tschinag. Em Mianmar, um festival religioso me foi narrado por um médium transgênero – criação de Nu Nu Yi. Essa experiência é mais poderosa que mil notícias de jornais e revistas, e me fez perceber melhor como vivem as pessoas longe de mim. Isso e o contato com leitores de todas as partes do mundo me fizeram sentir mais parte do nosso planeta.

Fonte: BBC